BRINCARTE

BRINCARTE
BRINCARTE

Thursday, March 20, 2008

LYA LUFT



INFÂNCIA

Névoa encostada na janela,
Qualquer coisa roçando o telhado:
O medo me contornava
- talvez simplesmente o vento.
A escada de sombra, a aventura
Dos degraus, na curva de madeira
Os passos de quem não vinha
- ou de um coração atento.
Longas rosas de longa paciência,
Os silêncios e os prantos;
Alguém arranhando a parede
- ou eram apenas lembranças?
Algo sempre em movimento:
A vida arrastando as pantufas
Nos corredores do tempo
- fiquei esquecida num canto?

A CASA NO MAR

Era uma vez um corredor de amores,
E uma casa ancorada no tempo da vida
Para não naufragar.
Era uma vez viagens e descobrimentos.
Era uma vez uma infância dourada
E um quebra-cabeça possível de amar.
Era uma vez – e ainda respira em mim
Como um cavalo alado –
Aquele mar.

AINDA INFÂNCIA

Nem sótão nem porão,
Na minha casa real. Nem mar:
Porém as águas chegavam,
Varando as negativas e os silêncios.
Não havia como não embarcar.
Jardins, morros azuis, fantasmas
Nas janelas: para sobreviver, podei
A árvore dos pressentimentos,
Calei o vento e sua voz de folhas.
Crescer foi desistir de a escutar.

CRIANÇA DEITADA NA GRAMA

Dormem os grandes navios
Do sonho, como num porto:
Bóiam rostos ou espumas
À flor de um espelho morto.
Não tenho certeza de nada
E mesmo assim me disponho:
Sou um reflexo no fundo
De um corredor, ou de um sonho?
No azul do céu ou das águas
Passam vultos como velas:
São miragens os navios,
Ou as nuvens caravelas?

LYA LUFT – é poeta, romancista, professora e tradutora gaúcha, autora de obra significativa da literatura brasileira e que já traduziu mais de 100 livros de diversos autores para o português.

FONTE:
LUFT, Lya. Para não dizer adeus. Rio de Janeiro: Record, 2007.

VEJA MAIS:
GUIA DE POESIA
BRINCARTE
CRÔNICA DE AMOR
RÁDIO TATARITARITATÁ
SHOW TATARITARITATÁ