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Sunday, January 25, 2009

MENININHONITO



Imagem: Marcio Baraldi

A BOLA MURCHA DO MENININHONITO

Luiz Alberto Machado

Menininhonito nunca tivera uma bola. Talvez, quem sabe, seja esta a razão de seu destrambelhamento. De sua mesma, nunca. Verdade. Por esta razão não podia ver uma rolando que corria para fazer gol. Quer dizer, correr, corria; daí fazer gol é outra história. Era tão desajeitado que mirava na pelota e acertava pé, toco, chão, grama, canelas, muro, o que tivesse pela frente, menos a bola. Por isso, claro, nascia um perna-de-pau de não poder ver nada pela frente que queria chutar. Até ximbras, rolimãs, bolas de meias, tomates, laranjas, foi redonda, tome. Até quengo de coco de quase estrepar-lhe um dos pés. Tudo na maior sem-jeitice de entrevado nato.

Pudera, pra correr era todo avexado, verdadeiro papa-léguas.

Agora para acertar o que queria, nossa, nem cego de guia sem tino. Um desastrado mesmo.

Também, era o único a levar livros pros campinhos de barro batido da redondeza.

Já viram essa?

Agora me digam uma coisa: alguém já viu dizer que alguém aprendeu futebol em livros?

Mas não era isso, era que ele era dividido entre o mundo da fantasia das histórias e da algazarras maloqueiras na pelada futebolística.

No mais das vezes, ficava ele lá plantado nas arquibancadas improvisadas, assistindo a partida.

Se o jogo fosse xôxo, ele lia; se pegasse fogo, torcia.

Para ele jogar, hum, passava uma eternidade, claro, quem lá escalaria inábil prum jogo? Nem doido!

Quando aparecia uma vaga prá jogar, lá ia ele todo estufado pronto para se tornar o melhor atleta de todos que estavam na partida.

Ao ter oportunidade de conduzir a redonda, no primeiro encontrão, ficava pendurado na cerca de arame farpado. Imaginem a agonia para desentalar o rapaz das farpas sem arranhão, hem?

Ou então, no primeiro desequilíbrio, caía estendido nos esgotos que ornavam as margens do campo.

De tão inapto no trato com a bola, só causava ira nos companheiros e alegria nos adversários.

De tão lerdo, era capaz de comemorar gol contra que ele mesmo fazia. E ainda gritava:

- Eu fiz o gol, vamos bater o centro!

Como não tinha a menor condição de ficar na linha, botavam ele de goleiro. E no gol, levava bicudo no pau da venta, até bolada na caixa dos peitos de ficar desacordado por horas. Quer dizer, a bola que batia nele, ele nunca agarrava nada. Do jeito que viesse, passava. Mas fazia esforço, se jogava no chão da poeira cobrir. Com pena, dispensavam-no para que não se vitimasse de uma sova prometida pelos jogadores do seu próprio time.

Saia ele então todo relado, imundo, verdadeiramente emporcalhado.

Isso resultava dele chegar em casa mais melado, cortado e fedendo todo, a ponto da coitada da mãe tapar o nariz e dar-lhe reprimendas e puxavanques, dele ficar mais ainda lapiado. Resultado: só andava mostrando arranhões, cortes, lascões, fissuras e perebas por todo corpo.

Não adiantava, sonhava ser um dia os seus ídolos, como um Rivelino, Pelé, Afonsinho, Tostão, mas mal conseguia driblar um deficiente na defesa, de trupicar na moleta e se estatelar com o queixo no chão, abrindo a cara em bandas e deixar à mostra uma janelinha dentária linda!

E não desistia, treinando dribles elásticos de ver beques plantados com a bunda no chão, ensaiando toques da vaca, embaixadas, fintas mil, mas isso, só de sonho, né? Na real, mal conseguia correr que se enganchava nas próprias pernas. E o cúmulo: driblava ele mesmo de ficar zonzo e perder a bola.

De tão desajustado, os colegas escalavam-no sempre pro time adversário.

Necas, banco era a melhor posição dele. Ou de gandula. Nem pra juiz ou bandeira servia. Quem queria?

Daí, futebol e livro era o seu passatempo.

De fato, nunca aprendera a jogar bola. Isso e nem mesmo baralho, dominó, nem firo, sinuca, nem nada.

Quando muito acertava uma pedra ou no telhado, ou na vidraça ou no cocuruto de um, correndo em desabalada para se esconder de tempo ruim para sua banda.

Só acertava mesmo era ler e dar trabalho, mais nada.

Ainda hoje sonha em ser escritor de futebol. Pode? Sei não, hem?

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