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Wednesday, January 28, 2015

A FÁBULA DA RAPOSA SEM RABO


Contava Pai Lula que a raposa andava sempre caçando.

Certo dia, noite fechada e não se via um palmo adiante do nariz, a raposa que sabia ver bem de noite, se aproveitava dessa hora para fazer estragos. De dia ela cuidava dos arranjos caseiros, do asseio da sua linda pele e do seu lindo rabo. Tinha o maior orgulho dele e, na verdade, passava por ter uma das caudas mais bonitas da família e da redondeza.

A caminho da capoeira que pretendia visitar, a raposa atravessou o quintal, depois outro e depois outro e outro e, sem saber como, foi cair numa ratoeira e ficou presa pelo rabo.

- Isso só poderia acontecer comigo -, reclamou ela lamentando-se. – Mais me valia não ter rabo! Se aqui me deixo ficar é morte certa...

Mas, por mais que fizesse, por mais voltas que desse, não se libertava da ratoeira. Na ânsia, porém, de se ver livre, tantou puxou, puxou, puxou, que o ferro da ratoeira lhe cortou a felpuda cauda e ela pôde fugir, mas... sem seu lindo rabo.

Ao chegar em casa, tristíssima por se ver privada de sua bela cauda, a raposa ao reparar as primas e os primos todos ostentando os seus formosos complementos, ficou ainda mais triste e começou a sentir inveja. Afinal, todos tinham cauda – uma cauda linda! -, menos ela.

Ora, além disso começou ela própria a ser objeto de grande admiração: é que nunca tinham visto uma raposa sem rabo!

- Mas então, o o que foi isso? – perguntavam os amigos. – Como foi que ficou sem cauda?

- Como foi que fiquei sem cauda, não! Porque é que a tirei! – emendava, resolvendo mentir para não contar o que lhe acontecera.

- Tirou-a? – indagavam espantados.

- É a última moda – explicava ela. – É o que se usa agora entre as raposas distintas da melhor sociedade. E vocês devem fazer o mesmo. Isso de rabo é uma moda muito antiga que já só se vê entre os velhos...

Os primos, as primas e os amigos mais jovens, zelosos de sua elegância, começaram logo a mirar-se com desgosto convencidos de que a prima raposa tinha razão. Só que uma parenta velha, que sabia perfeitamente como as coisas se tinham passado cheia de bom sendo falou, no meio de todos, à raposa matreira:

- Minha querida amiga, acredito na sua moda e nas conveniências dela, mas digo-lhe já que nós não contaremos os nossos rabos apenas para lhe dar prazer. Se um dia nos encontrarmos na mesma situação em que a prima se viu, então, deitaremos fora o rabo. Mas antes disso, não. Que os mal intencionados como a prima queiram que os outros se disponham a seguir o que lhes propõem sem pensar, é que não. Quando o mal por aqui tocar, veremos... fique a prima lá sem o seu rabo, que nós tomaremos conta dos nossos de forma que continuem aqui bem inteirinhos....

É claro que a raposa teve de de se calar e conta-se que nunca mais quis convencer a família e os amigos de que o ideal era as raposas não usarem rabo.

(Fábula de Esopo recolhida do livro Didáctica do teatro, de José Oliveira Barata.Coimbra: Almedina, 1979).

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